Criança, a Alma do Negócio
O documentário Criança, a Alma do Negócio foi produzido no ano de 2008 pela Maria Farinha Filmes, direção de Estela Renner e roteiro de Estela Renner e Renata Ursaia, realizado no Brasil e possui duração de 49min. Neste documentário a cineasta Estela Renner abordou os assuntos sobre a mídia direcionada para o público infantil, como as crianças absorvem as propagandas diariamente e como as publicidades afetam o consumismo infantil.
O documentário abarca a visão de diferentes grupos sociais e seus diferentes relacionamentos com o consumo. Em uma casa de tapume a criança relata que mexe muito até com o coração, porque quando a pessoa vê alguma coisa ali que gostou, a única coisa que a pessoa quer é ir lá na loja e comprar. Eu acho que é mais fácil a criança ir lá, pedir para a mãe e a mãe não ter, aí sim que o coração da criança, até vontade de chorar a criança tem. Em uma outra cena uma criança, com uma mesma idade, numa casa bem estruturada relata que já está no quarto celular. Tamanho abismo entre as famílias nos revela que essas propagandas não apenas vendem mercadorias, de fundo temos uma narrativa que diz: para ser pertencente a esta sociedade é preciso possuir um determinado conjunto de coisas.
Esta narrativa possui duas faces, de um lado temos uma criança de classe média e classe média alta crescendo acríticas ao que consomem e do outro crianças pobres frustradas ou com pais endividados para conseguirem atingir os desejos das crianças. Como bem apontado no documentário, como cobrar dos pais uma ação diferente sendo que os órgãos reguladores de propaganda no Brasil são encabeçados pelos próprios criadores de propaganda? Está é uma discussão muito complexa a ser feita com as comunidades escolares sobre esta relação com o consumo, que também é uma discussão de modo de vida. Tendo em vista que este consumo desenfreado também gera um impacto no meio ambiente.
No Brasil há legislações em vigor que regulam a publicidade voltada à criança. O Código de Defesa do Consumidor, através da Lei nº 8.078/1990, considera ilegal a prática de direcionar publicidade ao público infantil, de qualquer tipo de produto ou serviço, em qualquer meio de comunicação. Há também o Marco Legal da Primeira Infância que protege a criança contra a violência e pressão consumista e adota medidas que evitam a exposição precoce à comunicação mercadológica. Por fim, a Resolução nº 163 do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda) adota o conceito de abusividade para toda e qualquer publicidade dirigida ao público infantil, com o intuito de persuasão ao consumo de produtos ou serviços. Por consequência, a maioria dos canais de TV aberta reduziram ou simplesmente pararam de exibir desenhos animados ou conteúdo infantil em sua programação.
É importante ter em mente que o documentário foi produzido em 2008. Mais de uma década após sua realização, também se faz necessário adaptar as narrativas. Em 2020, as crianças assistem muito menos à TV aberta, passando a usar mais as redes sociais, YouTube, Netflix ou outros serviços de streaming. Recentemente, no início de novembro de 2020, o vídeo “Baby Shark” passou a ser o vídeo mais visto no YouTube, com mais de 7 bilhões de visualizações, o que nos mostra uma mudança nos hábitos dessa geração.
Precisamos ter a consciência que não são apenas as propagandas voltadas ao público infantil que têm influência sobre as crianças, mas também a publicidade para os adultos, que continuam a passar a todo momento na televisão aberta, por assinatura ou internet. O público infantil também assiste a essas propagandas e é afetado por elas. Comerciais de cerveja, por exemplo, perpetuam a cultura machista dentro da nossa sociedade.
Segundo os termos de uso das principais redes sociais utilizadas atualmente, só podem cadastrar-se nelas pessoas com mais de treze anos e, a partir desta idade, deve haver um uso supervisionado por responsáveis até que o usuário complete 18 anos, mas sabemos que, na prática, não é bem assim. Com o acesso cada vez mais precoce às redes sociais, crianças entram em contato, também, com os padrões de beleza inalcançáveis mostrados através de filtros e edições. Não é à toa que o Brasil seja o líder mundial em cirurgias plásticas entre adolescentes, entre 13 e 18 anos, e que, na mesma faixa etária, tenha sofrido um aumento de 141% no número destes procedimentos em apenas 10 anos. Gostaríamos de ressaltar ainda que os procedimentos cirúrgicos não são a única forma de intervenção estética realizada por jovens.
Mesmo crianças que não possuem acesso indiscriminado à internet, frequentam escolas e outros ambientes sociais, nos quais, entram em contato com toda a pressão estética que temos hoje. Na escola, por exemplo, crianças sofrem bullying por terem orelhas “de abano”, narizes considerados grandes ou, ainda, um cabelo que não seja liso. Tudo isso, faz com que cresçam com inúmeras inseguranças e, na primeira oportunidade, busquem uma forma de “consertar o problema” e se submetam a procedimentos extremamente invasivos e arriscados sem que exista uma motivação além da aprovação social. Afinal, se observarmos pessoas de grande visibilidade, quase todas se submeteram e se submetem a estes processos, criando uma padronização de corpos e rostos: todas com um mesmo nariz, boca, cabelo e por aí vai.
O documentário também faz um alerta sobre os hábitos alimentares das crianças, principalmente em relação ao consumo de biscoitos, salgadinhos e outros produtos industrializados. A publicidade e o marketing trabalham a favor do consumo destes produtos, criando estratégias para aumentar as vendas. Tudo é pensado em detalhes: desde a criação da embalagem até os valores atribuídos aos produtos nas campanhas publicitárias. O documentário também mostra que algumas crianças conheciam bem a embalagem e o nome de alguns salgadinhos, mas tinham dificuldade em reconhecer certos legumes e verduras.
Esse é um indicativo de como a publicidade, através do fortalecimento da marca, tem o poder de atingir os consumidores e fazer com que o produto seja parte do seu cotidiano, do seu vocabulário, do seu pensamento. Quanto ao desconhecimento dos nomes de legumes e verduras, é importante também ressaltar que muitas vezes as crianças têm contato apenas com o alimento pronto, e não participam do processo de preparação da comida. É importante que as crianças, dentro de suas capacidades, façam parte desse processo – despertando assim a curiosidade da criança em provar o alimento que ela ajudou a preparar. Cozinhar também é uma forma de reforçar os vínculos familiares, ao se trabalhar em conjunto, em harmonia. A afetividade vivenciada em momentos como o da preparação das refeições tem participação essencial na formação da subjetividade da criança.
Apesar de que algumas características e pontos apresentados no documentário tenham modificado e estão se modificando atualmente, com o avanço da tecnologia, continua sendo central na questão: o consumo de certos produtos ainda é o portal para o ingresso de aceitação do indivíduo nos grupos sociais. Permanece ainda sendo necessário uma maior problematização sobre esse assunto. É compromisso da escola, família, da sociedade em geral, estar pensando em conjunto formas de tornar esse consumo infantil mais consciente, assim como, pensar em uma educação que incentive a utilização de modo crítico das mídias que oferecem conteúdos infantis.
Texto escrito por: Allana Krug de A. Ferreira, André Luiz Umeki Machado, Larissa Peres de Matos, Liziane Souza e Marcos Vinicius de Oliveira Antunes Simões