Coraline e o Mundo Secreto (Coraline, 2009, de Henry Selick)
Título original:
Coraline
Direção: Henry Selick
Autor: Neil Gaiman
Canção original:
Other Father Song
Data de lançamento: 6
de fevereiro de 2009 (Mundial) e 13 de fevereiro de 2009 (Brasil)
Duração: 100
minutos
Nacionalidade: EUA
Classificação: L -
Livre para todos os públicos
Gênero: Animação, fantasia,
família
Henry Selick, diretor de sucessos como “O Estranho Mundo de
Jack” (1993) e “James e o Pêssego Gigante” (1996) retornou em 2009 para o mundo
mágico de criaturas fantásticas que ganham vida através da técnica do stop
motion em “Coraline e o Mundo Secreto”. No roteiro, que é adaptado da obra
de Neil Gaiman, que fez parte da produção e deu palpites na narrativa, somos
apresentados à Coraline Jones e seus pais, que se mudam para uma velha casa um
tanto peculiar que tem 150 anos de idade e é rodeada de vizinhos excêntricos. Os
pais são escritores, e Coraline não recebe muita atenção deles, por isso se sente deixada de lado; os
vizinhos são um malabarista de circo, duas velhas atrizes confusas e um menino
que vive com a vó chamado Wybie, com quem Coraline vive implicando. A garota
tenta chamar atenção dos pais o tempo todo, até que o pai dá uma missão para
ela, explorar a casa. A partir dessa exploração
a garota abandona tais frustrações com a vida no momento em que se depara com
uma porta pequena trancada e a chave que a abre. Pensando no cinema (ou
na literatura) de uma forma mais geral, a premissa de Coraline é semelhante à
de obras como: Alice no País das Maravilhas (1951), Labirinto
– A Magia do Tempo (1986) ou O Mágico de Oz (1939). Assim como em
Coraline, todos esses filmes nos apresentam crianças/jovens que seguem uma
jornada básica: a protagonista é uma garota curiosa, corajosa e criativa; estão
um tanto entediadas com suas vidas monótonas, que aos olhos delas é sem graça e
nada divertida; e elas conhecem um mundo mágico que ao mesmo tempo em que é
estranho e tenebroso também é deslumbrante.
Ao
atravessar a porta Coraline descobre uma outra dimensão, ela é levada para um
mundo paralelo que imita o mundo dela, mas muito melhor, porém os personagens
(menos a Coraline) têm os seus olhos substituídos por botões de roupa. Se esse
mundo estava na imaginação dela ou não (fato reforçado por essas passagens para
o outro mundo acontecerem algumas vezes quando ela estava dormindo) não fica
bem claro, há discussões de quem acredita que tudo não passava de sonhos, pelo
fato de a vida dela não ser o que queria, então criou de forma onírica um mundo
todo pra ela no qual tudo era perfeito, a comida era boa, tinha bastante
brincadeiras com seus pais e tudo era incrível, mas em dado momento, percebeu
que ela estava querendo trocar o mundo real pelo mundo criado. A dilapidação de
sua velha casa no mundo real entra em contraste com as cores fortes e vibrantes
desse outro mundo e seus ambientes bem organizados, criados para agradar
Coraline. Lá ela também encontra uma outra mãe e um outro pai, iguais aos seus
pais verdadeiros. Esses outros pais buscam mostrar para Coraline que são tudo o
que os pais dela não são, seja na atenção que dão para ela ou pelo fato de a
mãe cozinhar comidas gostosas. Lá ela volta a ter coisas das quais sente falta:
lazer garantido e sensação de pertencimento, por ser acolhida. No mundo real
Coraline não sente que pertence ao mundo de seus pais. Porém, a garota percebe
que ter seus desejos atendidos nessa outra dimensão tem um custo alto. Ela
descobre que a outra mãe é na verdade a Bela Dama, uma criatura que está
interessada em tomar sua alma, e que todo aquele mundo é apenas uma ilusão que
logo desaparece. Há fantasmas de criança aprisionadas na casa, que ela só os
encontra quando não obedece a ordem da outra mãe, que deseja costurar os botões
no lugar de seus olhos, que é quando ela se dá conta de que se trocar seus
olhos pelos botões, ela perderia a sua liberdade e ficaria sob o comando da
segunda mãe. Nesse momento ela percebeu que não podemos fugir da realidade para
esse nosso porto seguro, nele a gente abre mão de coisas únicas como a
liberdade. Quando há recusa, ela é colocada num quarto junto com as crianças
fantasmas, que relatam seus dramas, e pedem sua ajuda para conseguirem se
libertar. O gato de Wybie também ajuda na empreitada, já que ele consegue
transitar entre os dois mundos. Depois de tudo isso, Coraline foge e com muita
dificuldade chega no mundo real, porém a sua jornada para valorizar seus verdadeiros
pais não acaba por aí. Eles são raptados e Coraline precisa enfrentar novamente
o outro mundo para poder resgatá-los. Apenas depois de derrotar a Bela Dama e
libertar as crianças fantasmas é que Coraline dá seu salto emocional e
amadurece o suficiente para aceitar seus pais como são, apesar de serem um
tanto negligentes. Ela também se sente mais preparada para encarar os medos da
vida cotidiana e procura aproximar sua família e seus vizinhos de si, buscando
fazer as pazes com o seu mundo real e com quem faz parte dele.
A
narrativa é conduzida tendo como ponto principal a relação entre Coraline e
seus pais, em especial com a sua mãe e a dor do crescimento, e o quão difícil e
complicado é tornar-se adolescente. O embate de Coraline tanto com a mãe quanto
com a outra mãe é algo comum na vida da maioria das pessoas. É normal ouvir
histórias de crianças que se isolam do mundo real e criam seu próprio mundo
imaginativo de maravilhas, e muitas delas sonham com essa pequena porta que
pode nos levar para essa outra dimensão. Muitas vezes o mundo de fantasia é o
refúgio das crianças. O filme nos aponta a importância de dar atenção para
essas crianças nesse período de solidão e insatisfação do mundo real. Dar
abertura para saber o que elas sentem e respeitar seus interesses é importante,
pois crescer em silêncio é doloroso, principalmente no período de expansão da
autoconsciência, pois é quando normalmente tendem a serem rebeldes, raivosos e
revoltados. É preciso um olhar acolhedor antes de achar que tudo é drama;
escutar é muito significativo.
“Coraline e o Mundo Secreto” nos oferta
um olhar um tanto tenebroso da história de uma criança, mas nem por isso a
narrativa deixa de ser tocante. Ao vincular esse mundo imagético com o horror,
é criado uma transmissão desafiadora pela qual crianças e até mesmo adultos
podem percorrer e analisar seus medos mais profundos e seus desejos de
pertencimento. O arco emocional de Coraline nos revela que encarar nossos medos
e angústias faz parte do dia a dia e é importante enfrentá-los. É como o
próprio Gaiman escreveu na introdução de comemoração ao décimo aniversário do
livro “Ser corajoso não quer dizer que você não está com medo. Quer dizer que
você está com medo, mas fez a coisa certa de qualquer jeito”. A vida de Coraline
pode não ser perfeita, mas é isso que a torna real.
Esse filme é indicado
sim para crianças, podendo trabalhar o assunto da imaginação, da fuga da
realidade, de como lidar com conflitos sendo eles familiares ou pessoais. Além
disso trabalhar o entendimento do seu lugar no mundo, saber que cada pessoa tem
o seu tempo e jeito de ser. Elas não precisam ser ou agir como você espera, mas
nem por isso deixam de ser interessantes, basta você mudar o seu jeito de olhar
para elas, suas expectativas.
Escolhas da Vida (Alike, 2015, de Henry Selick)
Título original: Alike
Produtor: Daniel Martínez Lara
e Rafa Cano Méndez
Roteiro: Daniel Martínez
Lara
Ano de produção: 2015
Data de estréia: 6 de
novembro de 2015 (mundial)
Duração: 8 minutos
Nacionalidade: Espanha
Classificação: L -
Livre para todos os públicos
Gênero: Animação, drama,
família
O
curta-metragem espanhol “Escolhas da Vida” (2015), de Rafa Cano Méndez e Daniel Martínez Lara nos traz a questão do
como guiar os filhos para um caminho certo. E é quando nos ocorre a pergunta:
qual é o caminho certo?
Em seus curtas anteriores Daniel Martínez Lara já trabalhou com a
questão de mudanças na vida e na rotina, em “Escolhas da vida” ele agrega tudo
isso à experiência de criar um filho e nos mostra como funciona essa relação
paternal. Situados em uma cidade grande acompanhamos o vínculo de um pai e um
filho e sua trajetória agridoce.
Uma animação
sem falas, mas que com as ações dos personagens conseguimos identificar suas
emoções. Uma sociedade que não tem cor, mas as crianças nascem coloridas e com
passar dos anos vão perdendo e se tornando cinzas como os adultos. Uma
sociedade que padroniza todos. Para se comportarem de uma certa maneira para
serem aceitas no grupo – criança fora desse parâmetro não é aceita. E aí
começam todos os problemas. A
criatividade vai sendo censurada, a criança vai perdendo seu brilho e alegria. Um pai já afetado pelo sistema vai aos poucos
arrastando seu filho para esse mesmo caminho, transformando a escola em uma
obrigação árdua e o limitando das artes (música, desenho). O
curta-metragem mostra a triste realidade de uma vida monótona e cheia de
responsabilidades em que a cor do personagem demonstra seu sentimento. Mostra o
dia a dia de um responsável e uma criança que vive feliz e cheia de imaginação
até o momento que se depara com a escola. O responsável coloca na mochila da
criança os livros que podem ser interpretados como a responsabilidade que a
escola traz. O pai segue para o seu serviço e constantemente demonstra sua
frustração com o mesmo.
Podemos ver
que o modelo educacional segue a mesma linha que as fábricas, que o aluno é uma
conta bancária e devemos depositar o conhecimento nele. A vida segue e os
dois ficam cada vez mais frustrados com tudo. A empolgação do filho com as coisas boas da
vida é o que dá forças e faz o pai se sentir melhor, embora inicialmente ele
não se dê conta disso. À medida em que a jornada de trabalho diária vai
chegando ao fim o pai vai perdendo seu brilho e sua cor, devido ao cansaço e as
frustrações relacionadas a seu emprego; e é o reencontro com o filho após o
expediente que revigora suas forças. Mas de tanto ser repreendido por não fazer
as coisas do “jeito certo” (desenhar ao invés de copiar o alfabeto
corretamente, ou apreciar um violinista tocando em meio ao caos da cidade) o
garoto vai desanimando com o mundo em geral e vai perdendo seu entusiasmo
natural. Na escola a criança é
podada e impedida de ser livre, tendo que seguir um padrão de ensino. Quando o pai se dá conta disso, percebe o quão errado
foi por não manter um equilíbrio na vida da criança e busca melhorar suas
atitudes. É possível observar isso quando ele leva o menino para ver o
violinista tocar e ao chegar no lugar de costume não encontram o músico, o pai
se posiciona no lugar em que o violinista ficava e começa a tocar um violino
imaginário, o que encanta o filho e deixa as pessoas em volta admiradas –
o menino fica feliz e sua cor vai retornando, pai
e filho voltam a ser mais entusiasmados. O filme nos traz a importância de
permitir que as crianças façam as suas próprias jornadas. Afinal quem disse que
não se pode aprender desenhando, ou apreciando uma música? A criatividade não
pode ser sufocada pela rotina diária.
A animação faz uso de cores frias e desbotadas para retratar as mudanças
de sentimentos dos personagens, tal como a alienação e estresse que a cidade
causa, que bate de frente com as cores saturadas usadas nos desenhos do menino,
ou no local no qual o violinista está posicionado. O curta também faz muito uso
de closes e planos médios, usados para exibir melhor as expressões faciais e as
posturas corporais, pois é assim que os conflitos são transmitidos, já que o
filme não tem falas. Os planos abertos e gerais, por sua vez, nos apresentam a
cidade e todas as situações rotineiras e repetições que vão acontecendo na vida
dos protagonistas.
Este é um ótimo curta para assistir em sala com as crianças, pois de uma
maneira delicada a narrativa expõe o quão é valoroso o diálogo nas relações
entre pais e filhos, a identificação da criança com o exemplo exposto e o
cuidado que se tem que ter com a escola para que não se torne um lugar que só
sabe padronizar e esquece de olhar para as especificidades de cada um. Sem esquecer da relevância da criatividade e do lúdico. Imaginar
sempre! A arte nos alegra e nos dá um colorido.
Precisamos de arte para viver, não só o trabalho, estudo. Mas a sensibilidade
diante da vida é que nos faz únicos. Desenvolver a criatividade nas crianças
para que se tornem felizes.
Escrito por: Denise Maria Costa, Flávia Nazaré Fermiano e Thayane Karina Ferreira